domingo, 29 de janeiro de 2012

Os escombros e sorrisos de Bel Borba


Quem já viu aquela escultura de cachorro gigante em uma das laterais da antiga igrejinha no Largo de Santana, no Rio Vermelho? Pelas formas, um fox terrier. É dele. E figuras de largartos feitas com cacos de azulejos e cerâmicas coloridas espalhadas por aí? Também são dele. A revoada de pássaros em uma encosta? Dele.

Ele em questão é o artista plástico Bel Borba que enfeita a cidade há anos com suas intervenções artísticas. Tem uma história singular sobre o artista, da qual lembro e gosto muito. Ele contou em entrevista. Quem passava de ônibus por uma avenida, nas imediações do Rio Vermelho, viu surgir, de um dia pra outro, misteriosamente esculpido no barranco, um enorme lagarto. Bel Borba contou que foi fruto de uma espera em engarrafamento. O carro parado, um amigo na direção e, para passar o tempo, com a inquietação de artista, saltou do veículo e foi esculpir. O que tinha à mão era uma chave e como matéria prima, o barranco. Ficou tão entretido e entusiasmado com o trabalho que não quis parar de fazê-lo, mesmo quando o engarrafamento começou a diminuir.

Dias depois, voltou ao local com cacos de azulejo e completou o trabalho. O lagarto ficou anos naquele barranco. Assim como a silhueta de um homem que parecia ter caído de algum lugar. E outras intervenções dessa natureza foram aparecendo nos muros de Salvador. Depois veio a serpente de metal, encomendada por uma agência publicitária para indicar o caminho dos participantes de um evento. Ela foi presa a outro barranco, na subida da Ladeira da Cruz da Redenção (Brotas). Ficou lá anos, até que a corrosão e o risco de que despencasse (a cabeça teria soltado uma vez) fez a prefeitura pedir a remoção da obra.


Bom, se não quiser correr meia cidade para apreciar os trabalhos deste artista que interfere diretamente no cotidiano de Salvador com sua arte, a dica é ir ao Palacete das Artes Rodin Bahia, no bairro da Graça, onde os trabalhos de Bel Borba ficarão expostos até março. A mostra Aqui em 7 elementos acontece no anexo do museu. Diz o artista:

Uma nova matéria prima é sempre um desafio, porque eu não posso ficar indiferente a sua origem ou anatomia, dados que se tornam uma instigante tortura, extraindo dali tudo que eu possa, para sincronizar com a minha iconografia e as asas da minha imaginação


A exposição principal é formada por singulares recriações de pedaços (fragmentos) do antigo estádio da Fonte Nova. O estádio foi implodido para a construção de uma nova arena multiuso, destinada a ser palco dos jogos da Copa do Mundo FIFA 2014 e, se ficar pronta em tempo, da Copa das Confederações 2013.

Voltando à exposição, com o que restou de concreto e ferro retorcido, Borba criou cabeças humanas se beijando (seria referência a O Beijo, de Rodin?), aranhas, bichos estranhos, ou o que a sua imaginação, visitante, quiser ver. No entanto, leia a descrição e saiba o ele que quis dizer com cada obra.


Do lado de fora, três totens (também de fragmentos) indicam o caminho para a exposição, que resultou em um belo catálogo de fotos, à venda na loja do museu. Ele explica, em texto, sua ligação com o antigo estádio.

...onde assisti a seleção brasileira (...) e tudo que passou por lá nos últimos sessenta anos, de bom e de ruim, na alegria e na tristeza, a vibração da plateia deve ter impregnado cada molécula daquele concreto, a matéria tem memória


Depois vá seguindo em direção aos demais trabalhos. Há uma viagem em torno do conjunto artístico de Bel Borba nos últimos anos. Particularmente, gostei da sala do sorriso. Borba compôs um imenso mosaico com seu rosto sorridente, a partir de fotos de outras pessoas também sorrindo. Acredito que seja alusão à sua obra com cacos de cerâmica. Detalhe: sorrisos desdentados. No centro, um molde de dentadura em que parte dos dentes criaram galhos, indica que você se movimente para encaixa-la, de forma visual, ao sorriso de Borba ao fundo. Foi assim que entendi. Claro que tentei fazer uma foto sobrepondo o molde ao sorriso do painel.

Em outra sala, vídeos apresentam o processo de criação das pinturas em azulejos ali expostos. Já os trabalhos feitos a partir de colagens com retalhos de tapetes têm explicação do autor:
Uma das coisas mais inspiradoras da arte contemporânea é a possibilidade de se apropriar de coisas existentes isso, evidentemente, com beneficiamento criativo

Ao sair, verá, ainda, um painel com as fotos das intervenções urbanas de Bel Borba. Dá até pra criar um roteiro no estilo Caminho Niemeyer. A criatividade do artista pede isso. Um dia, eu faço e mostro a vocês.


A exposição Aqui em 7 Elementos fica em cartaz até 23 de março de 2012, no anexo do Palacete das Artes Rodin Bahia, na Rua da Graça, em Salvador. O museu funciona de terça a domingo, das 10 às 18h. Informações e agendamentos pelo telefone (71) 3117-6986.

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